Embora a apresentação fosse gratuita, uma semana antes, toda a comunidade já estava mobilizada pra buscar seu ingresso e, assim, garantir lugar no salão paroquial para ver as cenas gravadas na vizinhança. Todos queriam ver o lançamento de O Carteiro, filme de Reginaldo Faria, cujas gravações foram feitas em Vale Vêneto, em 2010.
Uma hora antes do horário marcado, a movimentação era grande, e o salão comunitário estava, praticamente, lotado. Com entusiasmo de quem queria ver os locais e personagens conhecidos que figuravam na comédia romântica, cerca de mil pessoas de todas as idades, vindas dos mais diferentes recantos da Quarta Colônia, chegavam e iam logo tratando de adquirir seu pacotinho de pipocas para completar a alegria da expectativa da novidade.
Embora já tivesse sido lançado em outros festivais brasileiros, para os quais foi selecionado, o longa, com direção de Reginaldo Faria, que a mais de 25 anos não dirigia nenhum roteiro, já decolou com o Kikito de Melhor Fotografia, no Festival de Cinema de Gramado, e com a distinção de Melhor Trilha Sonora e Melhor Atriz Coadjuvante no Festival de Cinema de Goiânia.
Segundo Roberto Turquenitch, da TGD Filmes, a direção fez questão de que o primeiro lançamento para o público, fora dos festivais, em reconhecimento pela acolhida da comunidade, acontecesse no próprio local das filmagens. Ele diz que a recepção tida pela equipe em Vale Vêneto foi nota 10. E, se não fosse o apoio recebido de um grupo de empresários e das prefeituras, especialmente de São João do Polêsine e de Santa Maria, não haveria condições de levar adiante o projeto.
A prefeita Denise Milanesi, depois de ver O Carteiro, diz que achou as imagens lindíssimas, o que justificou o Kikito de Fotografia de Gramado. Ela lembra que “se trata de uma história de amor sem maldade, com romantismo, e que para a região foi importante. Pois outros cineastas podem se interessar pelas paisagens daqui”. Segundo ela, a prefeitura colaborou com aproximadamente 25 mil reais e mais ajuda na infraestrutura necessária.
O prefeito de Faxinal do Soturno, Clóvis Montagner, diz que “mostrar Vale Vêneto é importante por que muitas coisas nossas serão levadas a muitos lugares longínquos. Nossa tradição será levada pra longe daqui”.
A empresária Marisa Bozeto, da Nova Palma Energia que, pela Lei de Incentivo à Cultura, disponibilizou R$ 275 mil para a realização do filme, diz que a região tem uma beleza que precisa ser mostrada para fomentar o turismo. E, segundo ela, “um nome consagrado como Reginaldo Faria pode levar o nome da Quarta Colônia para outros lugares. Por isso, apostamos no retorno do investimento. Nós, empresários, temos que apostar no turismo desta região que tem tantas belezas naturais”.
Durante os 103 minutos de apresentação, muitas vezes os risos do público significavam que as cenas eram familiares, desde os cachorros que passavam na rua, as casas que serviram de cenário, os rostos do elenco de apoio, os lugares eram do seu dia a dia, e alguns figurantes que apareciam eram familiares. A cada uma dessas figuras conhecidas, a reação do público era de vibração.
O senhor Túlio José Brondani e a neta Rafaela apareceram no filme. Seu Túlio, figura popular na região, diz que estava feliz por colaborar, mas lamenta: “pena que foi muito pouco tempo. Queria que fosse mais pra gente poder se ver bem”, diz com bom humor.
A mesma opinião tem Vicente Cielo. Ele, que já morou por muitos lugares do Brasil, veio de Rondônia para passar uns dias com a família em Vale Vêneto, e assistiu atentamente O Carteiro. Diz que, pela movimentação que teve, ele esperava que o filme fosse melhor, talvez explorando mais personagens reais da própria região. “Muitas pessoas dispuseram horas de seu trabalho e suas vidas nas gravações e, no final, não apareceram no filme, ou apareceram apenas um segundo. Nossas paisagens são muito bonitas. Mas, sinceramente, eu esperava mais do filme”.
Irmã Ana Roggia, da Casa de Retiros, nos seus 85 anos, foi cedo para o Salão Paroquial para conseguir um bom lugar, e comenta: “O que gostei mais foi das paisagens. Também nossa Igreja Matriz estava linda. Mas não percebi muita mensagem na história”.
Responsável pelo controle dos hóspedes da Casa de Retiros Nossa Senhora de Lourdes, Irmã Valquíria Worst fez questão de salientar que “alguns méritos do filme é ter sido gravado aqui e a integração da equipe com a comunidade. Mas não podemos deixar de dizer que precisamos é de filmes que mostrem bons valores. Não de filmes que apresentem o sexo violento, como posse um do outro. Precisamos mostrar é a ternura, o companheirismo. Temos, sim, que educar para a ternura e para os bons valores. Temos que resgatar o que se está perdendo”, conclui a religiosa, dizendo que não tem medo de ser considerada cafona, retrógrada, por dizer isso.
Também fizeram parte do elenco de apoio Gilmar Antonio Rosso e a filha Francesca. Ele salienta que, embora não tenha preparo para crítico de cinema, diz que participar, colaborar, se ver na tela, foi emocionante. Mas reconhece que “o filme significa a historicidade do Vale, que foi mostrado com seus costumes, valores, mas de uma forma bucólica”. Pai e filha estavam radiantes depois de verem e se verem n’O Carteiro.
A engenheira Justina Piveta, que aparece numa cena do coral na Igreja Matriz, alegre com seu saquinho de pipocas na mão, diz que “o filme é leve, ao mesmo tempo poético e lírico. Os cenários são lugares por onde a gente passa e nem sempre se dá conta que são tão bonitos”. Luiz Piveta, o presidente da comunidade, diz que ficou contente por ver que o filme se preocupou em mostrar a cultura da região. Ele lembra que “o chimarrão foi mostrado, uma cantina de vinho, a música, etc, que caracterizam nossos usos e costumes”.
Enfim, quase toda a comunidade, de alguma forma, se envolveu. E, com a peculiar solidariedade e colaboração próprias das pessoas do interior, os valevenetenses (?) foram hospitaleiros para com a equipe que chegava para fazer um filme no seu chão, entre seus morros.
Romilda Rorato, do Restaurante da Romilda, estava feliz, pois foi ela que fez comida pra toda a equipe durante as filmagens. “então já estávamos acostumados com eles. Agora ver todos no filme é muito bom”, diz ela, alegre com o movimento no seu restaurante no dia do lançamento de O Carteiro lá no Vale. O Carteiro Vítor, aliás Carlos Eduardo Faria, o Candé, o ator principal, foi abraça-la, entrou na cozinha e, entre panelas, disse que estava com saudade da comidinha caseira da ‘nona Romilda’.
A propósito, antes da apresentação, Candé, que é filho do diretor Reginaldo Faria, lê a carta enviada pelo pai que, por problemas de saúde, lamenta não comparecer à apresentação do filme. Reginaldo diz que “durante o processo do trabalho, aos poucos o filme não era mais o que estava no papel. Era toda a comunidade, era todo o coração de Vale Vêneto batendo a cada tomada de cena”. E conclui: “Não sei se o que fiz foi satisfatório; sei que em cada cena dei o melhor de mim; em cada retirada, em cada corte, por questões de tempo, perdi o melhor de vocês”.
O pedido de desculpa de Reginaldo se justifica, pois, pelos depoimentos da população, ficou claro aquele gostinho de quero mais. Eles queriam ver mais pessoas conhecidas aparecendo, por mais tempo no filme gravado no seu chão, nas ruas e montes do seu Vale.
Para consolá-los, fica a esperança de que O Carteiro possa levar uma mensagem de provocação para mais um cineasta se aventurar na gravação de uma nova história, tendo cenários e figurantes de Vale Vêneto. Oportunidades não faltam, pois o longa já foi convidado também para se apresentar no Festival Internacional do Filme, na portuguesa Ilha da Madeira.